Em um movimento polêmico e sem precedentes, o Projeto de Lei nº 4.068/2020, de autoria do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), pretende estabelecer a criminalização do porte de dinheiro em espécie no Brasil. A iniciativa visa limitar o uso de cédulas e moedas, propondo penalidades severas para quem for flagrado transportando valores em espécie acima de um limite estipulado sem uma justificativa plausível. A medida tem como objetivo principal o combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao financiamento de atividades ilegais, promovendo também uma maior adesão à digitalização dos meios de pagamento no país.
Principais Pontos da Proposta
O projeto propõe um limite máximo para a posse de dinheiro em espécie, a ser regulamentado por leis complementares ou decretos, sob pena de sanções que variam de multas pesadas à privação de liberdade. Confira os principais aspectos do texto legislativo:
- Definição de Limites: Portar até R$ 1.500,00 não acarretará problemas. Valores entre R$ 1.501,00 e R$ 10.000,00 deverão ser acompanhados de comprovação de origem lícita. Quantias superiores a R$ 10.000,00 só poderão ser transportadas para depósito em conta bancária, com trajeto direto entre o local de recebimento e o banco.
- Viagens Internacionais: Viagens ao exterior permitirão portar o equivalente a até US$ 10.000,00 em espécie, desde que em período de até cinco dias antes da data da viagem, conforme indicado na passagem.
- Sanções Previstas: Penalidades incluem multas proporcionais ao montante transportado e, em casos de agravantes, penas de reclusão.
Objetivos da Medida
Os idealizadores do projeto argumentam que a restrição ao uso de dinheiro em espécie poderá trazer diversos benefícios para o país. Entre os principais objetivos, destacam-se:
1. Combate à Criminalidade Financeira
O uso de cédulas e moedas em grandes valores facilita crimes como lavagem de dinheiro, corrupção e financiamento de atividades ilegais. A medida visa reduzir esses crimes ao dificultar transações não rastreáveis.
2. Promoção da Modernização Financeira
Ao estimular o uso de meios eletrônicos de pagamento, o projeto também pretende modernizar a economia e ampliar a rastreabilidade de transações.
3. Fomento à Inclusão Digital
Iniciativas paralelas de inclusão financeira, como programas para ampliar o acesso às ferramentas digitais, estão entre as metas indiretas da proposta.
Críticas e Desafios
Embora os objetivos do projeto pareçam promissores, a iniciativa enfrenta dura oposição de especialistas, ativistas e membros da sociedade civil. As principais críticas incluem:
1. Impacto Desproporcional nas Populações Vulneráveis
Grande parte da população brasileira ainda depende do uso de dinheiro em espécie para suas atividades cotidianas. Essa dependência é mais acentuada em áreas rurais e regiões menos desenvolvidas, onde o acesso a serviços bancários e à internet é limitado. Sem conexão confiável, o uso de meios digitais torna-se inviável.
2. Ampliação do Controle Estatal
A substituição do dinheiro em espécie por meios digitais levanta preocupações sobre a possibilidade de monitoramento excessivo por parte do Estado. Essa concentração de poder é vista por alguns como uma reminiscência das distopias descritas no livro “1984” de George Orwell, com o “Grande Irmão” vigiando todas as transações financeiras.
3. Economia Popular em Risco
Muitos pequenos comércios, feiras e trabalhadores autônomos operam quase exclusivamente com dinheiro em espécie. A imposição de meios digitais pode gerar custos adicionais, como taxas de máquinas de cartão, prejudicando significativamente essas atividades e reduzindo a autonomia econômica das classes mais baixas.
4. Eficácia Duvidosa no Combate ao Crime
Há dúvidas quanto à real eficácia da medida. Criminosos podem migrar para outros meios de ocultar recursos, como o uso de criptomoedas, bens de luxo ou outras formas de patrimônio, contornando as restrições impostas.
Situação Atual
O projeto ainda se encontra em fase de discussão nas comissões do Congresso Nacional. Paralelamente, a deputada federal Júlia Zanatta (PL-RJ) apresentou o PL nº 3.341/2024, que busca impedir o fim do dinheiro em espécie. Ambos os projetos tramitam conjuntamente, com o relator deputado Julio Lopes (PP-RJ) manifestando apoio às restrições propostas pelo PL 4.068/2020.
Considerações Finais
A proposta de criminalizar o porte de dinheiro em espécie no Brasil apresenta um dilema entre avanços na segurança financeira e os impactos sociais e culturais dessa mudança. Para que a medida seja bem-sucedida, é fundamental que o debate seja conduzido de forma ampla, envolvendo todos os setores da sociedade. Uma implementação responsável deve equilibrar o combate ao crime com a garantia de direitos fundamentais e a inclusão das populações mais vulneráveis.